GIGANTES SEM OMBROS: A NOVA COMISSÃO DE REFORMA DA JUSTIÇA E DO DIREITO








O presidente da República fez anunciar a criação de uma nova Comissão de Reforma da Justiça e do Direito. Esta Comissão terá como atribuições coordenar a estratégia global da Reforma da Justiça e do Direito, no quadro da Reforma do Estado, bem como acompanhar o processo de implementação da nova organização judiciária, assegurando e facilitando a articulação dos diversos programas sectoriais, e ainda dar continuidade e elaborar o processo de criação dos diplomas legais correspondentes. Uma imensa e vasta tarefa, portanto.
Presidida pelo ministro da Justiça, a Comissão de Reforma da Justiça e do Direito conta com, além de representantes dos vários actores judiciários, três personalidades de vulto: Raul Carlos Vasques Araújo, Carlos Maria da Silva Feijó (ambos professores catedráticos da Universidade Agostinho Neto) e Virgílio de Fontes Pereira (professor associado da Universidade Agostinho Neto).
Nenhuma destas individualidades precisa de grandes apresentações, pois são três das principais referências do Direito angolano, tendo acompanhado todas as grandes iniciativas legislativas do país.
Utilizando uma imagem descrita por Bernardo de Chartres, filósofo platónico do século XII, e popularizada pelo grande cientista Isaac Newton, estes são os gigantes que construíram o actual direito angolano, e por isso é positivo o seu contributo num momento que se pretende de transformação e mutação, pois deveria ser a partir dos seus ombros que se produziria a mudança. Os gigantes são a plataforma da mudança.
Contudo, como afirmou Newton: “Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes.” Ou, como escreveu John Salisbury: “Podemos ver mais e mais longe do que os nossos antecessores, não porque temos uma visão mais aguçada ou mais elevada estatura, mas porque somos levantados e carregados sobre a sua estatura gigantesca.”
Ora, é justamente aqui que reside o problema da composição da Comissão criada por João Lourenço. Não existe ninguém para se empoleirar sobre os ombros dos gigantes e ver mais longe. Deste modo, a Comissão apenas é capaz de rever o passado e tomar consciência do presente, mas muito provavelmente não vislumbra o futuro. É uma Comissão que representa o actual estado de coisas, sem estabelecer o caminho que virá, porque a sua visão não tem esse alcance.
Para os três gigantes do Direito, deviam existir pelo menos outros três juristas ágeis de pensamento, que rapidamente se colocassem aos ombros dos primeiros e desenhassem o futuro. Ocorrem-me quatro, pedindo desde já desculpa a outros vinte que não refiro e que também poderiam desempenhar o mesmo papel. Na verdade, existem muitos e válidos juristas em Angola que poderiam dar um contributo valioso, moderno e aberto para a reforma da Justiça e do Direito.
Um deles é Banja Satula, advogado famoso e capaz; já esteve do lado do poder e contra o poder, conhece as duas posições, o que é uma vantagem assinalável. Publicou um livro muito interessante sobre branqueamento de capitais, cuja leitura se recomenda vivamente. Outra possibilidade é Bangula Quemba, advogado e professor de Direito Penal. Pertence ao mesmo escritório que Benja Satula, e neste caso isso seria uma desvantagem; contudo, trata-se de um praticante activo do processo penal, com uma visão aguerrida dos direitos do arguido e do respeito pelos direitos fundamentais. A sua combatividade seria muito útil na Comissão criada pelo presidente da República. Refiro também o nome de Mihaela Webba, que revela um conhecimento abrangente do Direito e uma perspectiva alternativa sobre muitas matérias. O facto de pertencer ao maior partido da oposição seria uma mais-valia, pois permitiria ter uma voz contraditória na comissão. Finalmente, ocorre-me ainda Eliseu Gonçalves, advogado de sucesso em Lisboa, a doutorar-se em breve, que tem uma visão prática mais ligada ao direito privado e ao direito internacional, enquanto academicamente estuda as questões de finanças públicas e do enquadramento legal dos fundos soberanos. Estes quatro nomes são apenas algumas entre muitas outras hipóteses. O mais importante é realçar que nesta área, como na economia, são necessárias novas vozes e novas caras, capazes de acrescentar, de inovar, de trazer vantagens. Não basta ir buscar os consagrados. É fundamental colocar novas figuras nos ombros dos gigantes, caso contrário, estas comissões não servirão para nada.